ICMS: COBRANÇA NA ORIGEM OU NO DESTINO?

19 de maio de 2009

Entre os diversos assuntos que terão que ser dirimidos obrigatoriamente no texto constitucional, seja no âmbito de uma reforma tributária – inclusive a que ora se encontra no Congresso (PEC nº 233, de 2008) – ou fora dessa, está a questão se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deve ser cobrado na origem ou no destino, ou seja, cobrado e pago ao Estado onde se consome ou onde se produz a mercadoria ou se presta o serviço.
Não há como negar que esse ponto vem a ser um dos mais cruciais no nosso sistema, mormente por uma constatação: o atual regime de distribuição de receitas do ICMS – deficiente já na redação original do artigo 155 da Constituição Federal – transformou-se em uma autêntica colcha de retalhos com o passar dos anos. Afastando-se de qualquer outro regime da tributação sobre o consumo, o que já era híbrido no seu nascituro – parte origem e parte destino entre contribuintes, destino nas vendas para consumidor final e petróleo – foi se tornando cada vez mais complexo. Introduziram-se na legislação complementar e ordinária critérios que distorcem o regime constitucional, desafiam a jurisprudência, como no caso do ICMS sobre a importação, acomodando-se até mesmo, para novas situações, formas mitigadas, como para as hipóteses do gás natural e do GLP.
Como não poderia ser diferente o resultado na prática é desastroso. O atual regime – conjugado com a ausência de uniformidade de alíquotas entre os Estados – é propício a fraudes, desincentiva a exportação, prejudica por vezes Estados produtores e, por vezes, Estados consumidores, e acima de tudo, estimula uma guerra fiscal abusiva.
A questão então reside em saber que tipo de ICMS se quer para o país. O problema então passa a ser de sinceridade política, pois das duas uma: ou passamos para um regime de origem ou para um regime de destino coerente. Essa redefinição bastaria para eliminar, se não totalmente, a grande maioria dos problemas atuais do ICMS, tais como créditos acumulados pela exportação, necessidade de regra de estorno, entre outros.
A questão da sinceridade política é imprescindível para se examinar o problema desde uma ótica nacional. Por evidente que todos sabem quem perde e quem ganha em um primeiro momento entre uma e outra opção. Mas no longo prazo, com um correto regime de repartição, guiado por um racional econômico e de lógica estrutural de um imposto sobre valor agregado e plurifásico, ganhariam o país e os agentes econômicos.
Tome-se, por exemplo, a Europa. Apesar das milhares de críticas que se dirigem ao IVA europeu, muitas das mazelas que ocorrem aqui não se repetem no sistema comunitário. Trata-se de um regime de repartição bem definido, aperfeiçoado em 2006, e essencialmente de pagamento do imposto no destino (operações B2B), à exceção de operações para consumidor final (B2C regime de origem). Por sua uniformidade, permite evitar grande parte dos problemas que podem surgir na adoção de um IVA, como a guerra fiscal, a absorção de créditos em Estados-membros (países) exportadores e dos investimentos em ativo imobilizado.
E nem se diga que na conformação do regime europeu não se enfrentaram resistências. Para tanto, os estados-membros centrais e mais industrializados (França, Alemanha e Inglaterra) anuíram com um sistema que privilegia o sentimento de unidade regional em detrimento de interesses próprios. Dá-se primazia a um regime neutro e que viabiliza o valor máximo a ser protegido: o desenvolvimento e o crescimento do mercado interno (intra-comunitário) com vistas à exportação.
Por certo que no Brasil, as vicissitudes que aqui encontramos deveriam ser consideradas no plano infraconstitucional. Como exemplo, o tratamento da substituição tributária que se impregnou como forma de corrigir a falta de investimento dos estados em suas fiscalizações. Mas também aqui existiriam soluções como a repartição de receitas entre Estados atribuindo-se a um responsável, como a exemplo do que já ocorre, em petróleo e energia elétrica.
O que não se pode conceber é que ante a ausência de um tratamento constitucional adequado à matéria, concebendo ou um regime de origem ou de destino, continue-se a fazer um remendo contínuo do sistema. Não se pode querer resolver na base da legislação infraconstitucional ou da correção jurisprudencial algo cuja matriz constitucional está mal desenhada, é ambígua, e, portanto, permite interpretações e aplicações casuísticas.
Em suma, a mudança do texto constitucional, enquanto solução jurídica para entraves econômicos, não é uma questão de bancadas ou de Estados mais ou menos industrializados. Se, ainda mais em momentos de crise, queremos um mercado forte e competitivo, a mudança constitucional para um consistente regime de origem ou de destino deve ser já.
(FONTE: VALOR ONLINE)