Entrevista com o novo Secretário da Fazenda, Ubiratan Rezende

10 de janeiro de 2011



Guerra fiscal, gestão e não à sonegação


Desde outubro debruçado sobre os dados financeiros do governo, Ubiratan Rezende recebeu a missão de manter as contas estaduais em dia. Homem forte no governo Colombo, o secretário da Fazenda começou mexendo no Pró-emprego e na negociação de créditos de ICMS. As medidas foram tomadas por meio de decreto, na primeira reunião do novo colegiado.


Qual foi a principal motivação para suspender, parcialmente, o Pró-emprego por 120 dias?


Ubiratan Rezende – Estamos, de fato, preocupados. Existem, pelo menos, duas Adins. Há uma reação grande dos dois Estados – SP e RS – em relação ao nosso programa. Então, o governador entendeu que devemos dar uma paradinha para revisar. É uma questão de prudência. Esse foi o principal motivo. A verdade é a seguinte: guerra fiscal existe. E o Estado tomou medidas bastante agressivas, em relação à política de importações e outras iniciativas, que deram alguns resultados: a arrecadação aumentou significativamente, também em função dessa política. Agora, é o momento de a gente rever. Se a União repassasse para nós o que de fato nos deve, de acordo com a Lei Kandir, não precisaríamos estar em guerra fiscal. Então, vamos deixar as coisas claras: há essa decisão política. A União decide isso porque ela realoca recursos, através de incentivos fiscais federais, para o Norte e Nordeste. Não tem como competir com a Bahia, por exemplo. Lá, tem um fundo de desenvolvimento, recurso federal, que faz com que as empresas fiquem atrativas e você tem empresas do Estado indo à Bahia. Como competir? Então, há uma política clara, que foi a política dos últimos oito anos de governo federal, de enfraquecimento dos Estados do Sul, Centro e Centro-oeste, em função do Norte e Nordeste. E por razões políticas. Há guerra fiscal. Mas quem é o principal mentor disso? A União.


O senhor acredita em mudança?


Ubiratan – Não tem como, porque a União assumiu uma série de programas em que ela tem um custo extraordinário. Esses programas foram efetivos do ponto de vista de distribuição de renda? Não sei. O Bolsa-família, por exemplo. Ajudou, mas criou com isso um desestímulo à entrada na força de trabalho. Você não precisa trabalhar, de fato, em determinadas regiões.


É apagão de mão de obra?


Ubiratan – Claro. É o que está acontecendo. Estou falando como uma pessoa que viveu nos Estados Unidos e olha para o Brasil de uma maneira crítica. Não tenho filiação político-partidária. Eu olho como cientista político. Em 2012, vamos começar a sentir as consequências disso.


Com relação à Lei Kandir, uma das medidas anunciadas na primeira reunião do governador com os secretários tem a ver com a Lei Kandir, que é a questão da negociação de créditos de ICMS entre empresas. Com a suspensão da negociação, indústrias vão sofrer, como por exemplo, o setor moveleiro. Essa suspensão deve continuar depois dos 120 dias?


Ubiratan – Não, ela tem um prazo determinado. Quer ver uma coisa que é fundamental que se faça? Você precisa fazer um estudo rigoroso da competitividade dos setores produtivos no Estado. Vamos encontrar setores que são competitivos a nível internacional, mas não têm, por exemplo, capital de giro. Esse setor precisa de incentivos. Porque você não está subsidiando o valor final do produto dele, está criando as pré-condições para que ele seja competitivo. Daqui dois, três anos, ele passa a ser competitivo e não precisa mais de subsídios. Mas ninguém para para fazer esse estudo. Aí você usa a vala comum: todo mundo recebe, mas há setores que não são competitivos, o processo de produção deles não é competitivo, mas eles se tornam competitivos porque na margem líquida deles estão ganhando com a isenção do imposto. Então, por que vamos privilegiar esse setor? Vamos desmascarar essa história: no setor empresarial brasileiro tem um núcleo de empresas de fato competitivas, capazes de oferecer, tanto ao mercado doméstico quanto internacional, produtos qualificados, diferenciados. Essas empresas, não só a gente tem de apoiar e convidá-las a ter uma participação social. Mas as outras, que continuam na dependência dos subsídios do Estado, me desculpem. Se você não é competente, não se estabeleça. Agora, você pode advogar o seu caso. Você pode dizer que não tem recurso para trazer a empresa para esse patamar, mas, para isso, existem mecanismos. Os bancos de desenvolvimento estão aí, você pode até questionar as práticas. Mas vamos examinar os setores produtivos do Estado e ver se, dentro da cadeia produtiva de cada setor, precisam de apoio. Pode ser, por exemplo, o caso do setor moveleiro. Até desconfio que seja. Se assim for, o governador está disposto a examinar caso a caso. Mas a gente primeiro tem de trazer os setores para conversar.


Então, estamos numa fase de estudo detalhado de cada setor? Comenta-se que muitos números são chutes.


Ubiratan – É isso, não tem mistério.


Há algum novo incentivo previsto?


Ubiratan – Não, ao contrário. Estamos perto de concluir um estudo para isentar determinados produtos. Não posso dizer quais são. São produtos que fazem parte daquilo que as pessoas consomem.


Quando o senhor diz isentar se refere a ICMS?


Ubiratan – Sim. Quisera poder isentá-los de impostos federais (risos). Esse é o nosso imposto, não temos outro. Mas estamos muito pertinho de propor ao governador a isenção de uma série de produtos. Se Deus quiser, ainda neste mês. Sabemos que tem alguns produtos que o ICMS recolhe muito pouco, mas para o consumidor faz diferença. Então estamos examinando. Tem alguns produtos na área de alimentos, outros na da saúde.


Além dessas medidas já anunciadas na primeira semana, sobre o Pró-emprego e a Lei Kandir, quais serão suas próximas ações na secretaria?


Ubiratan – Vamos trabalhar, em janeiro, um conjunto de medidas, estruturais e processuais. Mas isso é um trabalho que está começando. Foi solicitado ao colegiado que encaminhasse ao grupo gestor as diversas propostas dos diferentes órgãos. Então, vamos tentar incluir tudo isso numa lei complementar que vamos encaminhar para a Assembleia no final do recesso. Vai ter ali, por exemplo, a criação da Secretaria de Defesa Civil, a Secretaria de Justiça.


É o que tem se chamado de minirreforma administrativa?


Ubiratan – É, a imprensa está chamado de minirreforma, mas não gosto dessa coisa de reforma. São, apenas, alguns ajustes. Como falei, ajustes de estrutura e de processo. Pode-se mexer no que quiser no Estado, mas a máquina vai continuar operando sempre do mesmo jeito. A não ser que se mude a cultura. Que é o que quero fazer. Minirreforma faz parte, existem compromissos políticos, tem que criar uma secretaria. Mas o que interessa mesmo é o seguinte: quem são as pessoas que estão tocando o processo, e qual é o processo. Se mexer no processo, de repente mexe até nas pessoas. Se mexer no processo, de repente você elimina até um órgão. O meu interesse é olhar como as coisas funcionam. Algumas coisas precisam ser feitas de maneira diferente.


O seu caminho seria o mesmo proposto por Jorge Gerdau, fundador do Movimento Brasil Competitivo e que propõe indicadores a serem adotados na eficiência da gestão, inclusive pública?


Ubiratan – Não são os preceitos do Grupo Gerdau, embora o Aécio (Neves, senador, ex-governador de Minas Gerais) tenha sido muito bem-sucedido seguindo aqueles preceitos. Mas venho de uma experiência um pouco diferente. Tenho muito cuidado com receitas de gestão prontas. O que é uma organização? Organização é só uma coisa: pessoas se comunicando ou não. Se existe alguém que seja capaz de liderar esse processo de interação entre as pessoas, que passa por um dinâmica de trabalho, você vai ser bem-sucedido.


Mas o que o senhor quer dizer, exatamente, quando fala em mudar a cultura no Estado?


Ubiratan ­­– Vou dar um exemplo bem prático. Vamos imaginar que o cidadão vá a um posto de saúde. Normalmente, se perguntar para qualquer pessoa na rua como é o atendimento num posto de saúde, a gente já sabe qual será a resposta. Se, de fato, criar uma dinâmica que exija que o atendimento mude, você mudou a cultura. Quando uma pessoa chega na China, por exemplo, depois da alfândega tem uma telinha com carinhas: uma sorridente, uma séria. E quem chega pode tocar na carinha que achar correspondente ao atendimento. Imediatamente, está dando um retorno ao setor. Então, por que não podemos fazer isso? Não estou dizendo colocar carinhas no posto de saúde, mas por que não podemos criar mecanismos que vão mudando a cultura? O servidor público, antes de mais nada, é o que ele é: tem que servir ao público e da melhor maneira possível. Não temos esse tipo de cultura, infelizmente.


O senhor citou um exemplo de medição de qualidade de serviço. Outra forma prevista é um tipo de gratificação para quem faz um bom trabalho, especificamente na área de arrecadação do Estado. Há setores que, tradicionalmente, sonegam. Ano passado, chegou a se pensar num tipo de incentivo para o funcionário que conseguisse cobrar…


Ubiratan – Não funciona. Primeiro, tem que se criar um mecanismo de controle. No caso dos postos, hoje existe tecnologia que permite a aferição eletrônica.


Mas a sonegação não é aí, é na nota fiscal.


Ubiratan – É na nota fiscal. Tem o sistema automatizado de emissão e de controle da nota. E se diminui muito o espaço para sonegação. Agora, com relação ao outro aspecto, sobre premiar financeiramente o desempenho, primeiro temos que definir qos critérios de desempenho. Se chegarmos a um acordo sobre isso, tudo bem, sou a favor. Porque aí podemos estabelecer metas. Para alguns setores, não tem como poder estabelecer metas quantificáveis, mas outras metas qualificáveis. Vamos estabelecer um critério que condicione um determinado diferencial de remuneração. Estou disposto a discutir, mas primeiro terão de me mostrar os critérios que podemos usar e quantificar. Se isso for possível, vamos discutir. Mas não em tese. Aqui na Fazenda encontrei uma situação que é aquela do “acordo de resultado”. Mas quais são os critérios? Mas não acho que é só por aí.


Sobre essa questão da arrecadação, a tem crescido ano a ano. Como vocês preveem continuar com esse crescimento?


Ubiratan – Esse índice de aumento não vai continuar. Temos três cenários possíveis, mas eles dependem muito de certas ações do governo federal. Tem uma série de medidas legislativas que estão no Congresso que podem nos atingir.


Por exemplo?


Ubiratan – Eles querem mudar a base de cálculo, querem usar o IPI, e os Estados no Nordeste estão pressionando, querem mudar o critério de retorno. No fundo, o que eles querem dizer é o seguinte: a realocação de recursos da União para os Estados tem que obedecer a outros critérios, Norte e Nordeste têm que ser privilegiados porque os do Sul e do Sudeste são mais ricos.


O que já acontece atualmente.


Ubiratan – Isso nos impacta.


Mas independentemente das medidas do governo federal há ações que podem ser feitas localmente?


Ubiratan – Olha, o que o governo de Luiz Henrique fez em termos de arrecadação eu nunca vi. O pique de arrecadação que aconteceu foi extraordinário. Eu estou convicto de que chegamos no limite.


Mas os números do ano passado poderão ser repetidos, por exemplo?


Ubiratan – Em novembro, o governo federal teve queda de receita de 12,8%. Mostra que houve desaceleração. Vai repercutir aqui de alguma maneira. Vamos continuar crescendo, mas não com aquelas margens.


Qual a previsão de investimentos para isso?


Ubiratan – Temos um programa, que é o Profisco, e estamos trabalhando com o secretário de Administração – porque a diretoria de governo eletrônico está na Administração – para acelerar o Profisco. Quando você usa a automação para mudar um processo, cria as condições de eliminar determinadas janelas abertas à sonegação. Então, estamos perto de chegar a uma situação quase ideal. Já estamos muito bem.


O que estaria faltando?


Ubiratan – Desenvolvimento de aplicativos, treinamento de alguns setores, o uso de determinadas tecnologias. Quero ver se faço até o final do ano. São ações que já estão em andamento, o governo passado já tomou medidas, é só questão de continuar.




Quem é Ubiratan Rezende



– Formado em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado e Ph.D em administração pública nos Estados Unidos, Ubiratan, 62 anos, foi o escolhido pelo governador Raimundo Colombo (DEM) para comandar a Secretaria da Fazenda. Nascido em Porto Alegre, o secretário é amigo do governador há 30 anos.
– Ubiratan foi diretor de planejamento do Grupo Perdigão e diretor da BNDESPar (sociedade gestora de participações sociais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Presidiu, ainda, a Fundação de Economia e Planejamento no governo Jorge Bornhausen.
– No final da década de 1990, foi secretário de Administração no governo de Esperidião Amin (PP).
– Em 2006, assessorou Colombo em sua campanha para o Senado.
– De 2007 até o final do ano passado, morou nos EUA, onde dava aulas na Universidade Ave Maria, na Flórida.
– Em Washington, Ubiratan trabalhou na Organização dos Estados Americanos como chefe de gabinete do então secretário-geral, Baena Soares, e no Banco Mundial como consultor para a área de governo eletrônico e gerência de projetos da vice-presidência de informática.
– O professor universitário não é filiado a partido e sua indicação faz parte da cota pessoal de Colombo.







Entidades combatem impostos


O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL/SC), Sérgio Medeiros, defende, como prioridades para Santa Catarina, a adoção de uma política específica de incentivo às micro e pequenas empresas e o fim da guerra fiscal existente, atualmente, entre os Estados da Federação.


“Já é positivo o fato de o governador Raimundo Colombo e do secretário Ubiratan Rezende terem começado a gestão nessa linha de redução de impostos. Além disso, há necessidade de o governo adotar medidas de apoio ao novos empreendedores, bem como para aqueles que já estão com suas microempresas em funcionamento. E dar continuidade à política de substituição tributária adotada pelo governo anterior”, elencou o empresário de Rio do Sul.


O diretor executivo da Federação do Comércio (Fecomércio), Marcos Arzua, disse que viu como positiva a escolha de um técnico para comandar a Secretaria da Fazenda e sugeriu ao novo governo a criação de um Prodec (programa de incentivos fiscais) específico para a área do comércio.“O aperfeiçoamento das políticas tributárias, a criação de um programa de incentivo fiscal específico para o comércio e o aperfeiçoamento da política fiscal devem ser prioridades”, defendeu Arzua.


O presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Alcantaro Corrêa, já entregou à Fazenda estadual um documento com sugestões para aperfeiçoar o Pró-emprego, entre elas, que os benefícios fiscais sejam estendidos para outras indústrias. “O governo tem dado atenção para quem pode sugerir e ajudar a melhorar o governo. E essa postura é positiva”, entende o empresário.


As medidas de contenção de despesas anunciadas na semana passada, que pretendem economizar R$ 1 bilhão em quatro meses, foram consideradas positivas pelos líderes.


* entrevista publicada no A Notícia