Empresas devem continuar a questionar o ponto eletrônico

20 de agosto de 2010



Trabalhista: Adiamento do prazo não atrapalha andamento de ações contra as mudanças


O adiamento do prazo para a entrada em vigor do novo ponto eletrônico não deve reduzir o número de demandas na Justiça. Mas derruba um dos argumentos apresentados nos processos: a falta de equipamentos no mercado para as mais de 700 mil empresas que devem seguir a Portaria nº 1.510, de 2009. O problema levou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a alterar a data para o início de vigência da norma, que passou do próximo dia 26 para 1º de março de 2011.


A nova data está na Portaria nº 1.987, publicada ontem no Diário Oficial da União. A partir de 1º de março, as empresas terão ainda mais 90 dias para se adequar à norma. As mudanças no ponto eletrônico, que obrigarão os empregadores a adquirir novas máquinas, têm por objetivo evitar fraudes no controle da jornada de trabalho, segundo o ministério. O novo relógio emitirá comprovantes em papel em todas as entradas e saídas dos trabalhadores, que podem servir de provas em futuras ações judiciais. O equipamento deve conter ainda uma espécie de “caixa preta” para o registro de toda a movimentação de empregados, sem que haja – pelo menos em tese – a possibilidade de alteração. A máquina também deve conter uma entrada USB para que o fiscal do trabalho tenha acesso às informações.


As mudanças levaram diversas empresas e entidades de classe à Justiça. Nas ações, argumentam que a Portaria 1.510, de 26 de agosto de 2009, seria inconstitucional por estabelecer requisitos formais de validade para o registro eletrônico que não estão previstos em lei. Há liminares concedidas em diversos Estados, que adiam temporariamente a entrada em vigor da norma ou impedem sua aplicação. O Sindicato dos Lojistas (Sindilojas) de Porto Alegre, que congrega aproximadamente 16 mil estabelecimentos, obteve decisão que só obriga a adoção do novo ponto eletrônico a partir de 28 de junho de 2011. Para o juiz da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, as empresas não tiveram o prazo de um ano estipulado pela norma para adquirir o novo relógio.


No Paraná e no Espírito Santo, as federações das indústrias também conseguiram liminares contra a norma. No caso paranaense, o prazo passa para 12 de março de 2011. E é ainda maior para as micro e pequenas empresas, que terão até 12 de março de 2012 para se adequar à portaria. Já a decisão capixaba não estabeleceu uma nova data para as empresas filiadas à entidade.


No Rio Grande do Sul, no entanto, o Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis (Sescon-RS) teve pedido negado em primeira instância. O juiz entendeu que, como a norma ainda não estava em vigor e as empresas não foram autuadas, não haveria porque conceder a medida.


Para o advogado do Sindilojas e do Sescon-RS, Luiz Fernando Moreira, sócio do Flávio Obino Filho Advogados, a prorrogação de prazo não prejudica a tese principal das ações, que é tentar derrubar a nova exigência pelo princípio da legalidade. Segundo ele, o Ministério do Trabalho extrapolou seu poder de regulamentar ao editar essa portaria, que criou obrigações não previstas em lei. Isso porque, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apenas obriga as empresas com mais de dez empregados por estabelecimento a registrar respectivos horários de trabalho, seja de forma manual, mecânica ou eletrônica. “A concessão de um novo prazo é apenas um paliativo e não é motivo para desistência das ações”, afirma.


O advogado afirma ter entrado com mais duas ações. Uma delas reúne oito sindicatos varejistas de Porto Alegre. A outra é do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado do Rio Grande do Sul. Já o advogado Marcelo Ricardo Grünwald, do Grünwald e Giraudeau Advogados Associados, que obteve liminar que favorece a CBS Companhia Brasileira de Sandálias – conhecida como Dupé – diz que pretende prosseguir com as cerca de 40 ações judiciais que entrou nas últimas semanas. ” A ideia é derrubar a exigência do novo ponto eletrônico”, afirma. Na liminar que beneficia a CBS, o juiz Ibrahim Filho, da Vara do Trabalho de Carpina (PE), entendeu que a portaria extrapolou todos os limites da lei que trata do tema.


Cálculo da CNI mostra que empregadores terão gasto de R$ 6 bilhões


O novo ponto eletrônico é criticado por empresários e centrais sindicais, que pedem a revogação ou a suspensão da Portaria nº 1.510 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em nota técnica, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulga contas que mostram “aumento de custos, desconforto para o trabalhador e retrocesso tecnológico, sem nenhuma contrapartida de melhoria das relações trabalhistas ou de diminuição de fraudes”. A entidade estima que com a aquisição de equipamentos e instalação, as empresas do país terão que desembolsar cerca de R$ 6 bilhões.


Os novos registros eletrônicos de ponto são comercializados com valores entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil. Para evitar prejuízos com grandes filas de trabalhadores na entradas e saídas, os fabricantes estimam que o cálculo deve ser de uma máquina para cada 70 funcionários, de acordo com a CNI. Com isso, será necessário aproximadamente um milhão de novos equipamentos – troca de 600 mil mais 400 mil nas empresas que utilizam sistemas computacionais para marcar o ponto. A entidade calcula que cada companhia irá gastar cerca de R$ 6 mil, incluindo instalação e adaptação de sistemas de recursos humanos.


A CNI mostra ainda que cada trabalhador poderá gastar dez minutos na fila por dia para registrar o ponto. Ou 40 horas por ano. Os dez minutos são estimados considerando uma fila com 60 pessoas. O tempo para um empregado registrar, pegar o tíquete e sair é de, em média, dez segundos, o que representa, ao fim, cinco minutos gastos na entrada e outros cinco na saída.


Além disso, cada trabalhador, segundo a entidade, deverá guardar seus registros em pedaços de papel de cinco centímetros, que totalizam pelo menos 25 metros de papel por ano. Para a CNI, “sem dúvida, a impressão de comprovantes significa um consumo desnecessário de recursos como energia, papel e produtos químicos, que estão na contramão das tendências de racionalidade ambiental”. Por esses motivos, a entidade entende que muitas empresas, especialmente as pequenas, serão desestimuladas a utilizar o registro eletrônico.


* publicado no Valor Econômico