Economia: Medidas Para Reduzir os Conflitos Tributários

27 de maio de 2009



Nas sociedades modernas não se pode negar a importância do conflito tributário. A administração tributária, que aplica a lei, possui um legítimo interesse em maximizar a arrecadação dentro do permitido pela norma, enquanto que o particular possui o legítimo direito de pagar o menos possível, também dentro da legalidade.

Pois bem, em todos os países que tivemos a oportunidade de estudar, os conflitos entre a administração e o contribuinte cresceram de maneira exponencial nos últimos anos. Creio não estar equivocado se me atrevo a afirmar que a realidade do conflito fiscal em meu país, a Espanha, é muito parecida com a dos demais países desenvolvidos e emergentes, inclusive o Brasil. No caso espanhol, dos dados oficiais (Memórias do Conselho para Defesa do Contribuinte, do Tribunal Supremo e do Tribunal Econômico-Administrativo Central) permitem deduzir uma realidade nada alentadora: segundo os dados de 2006, haveriam 127 mil casos pendentes de solução somente no Tribunal Econômico Administrativo Central e uma média de dois anos na via administrativa e cinco na via judicial: no total, sete anos para obter uma sentença em matéria tributária que confira uma solução a determinada controvérsia entre cidadão e fisco. Tudo isso fomentado por um sistema fiscal de aplicação massiva, no qual predomina o autolançamento ou declaração juramentada através da qual o contribuinte qualifica fatos e aplica normas sob a supervisão da administração.

Em vista disso, os governos atuais possuem várias alternativas. Na minha opinião, a pior de todas é não fazer nada e assumir o conflito como parte da aplicação dos sistemas fiscais modernos. A mais acertada, propor medidas que levem a conter os conflitos. Devo confessar que, para nós, que cremos que a responsabilidade das Fazendas Públicas democráticas de nossos dias lhes obrigam a implementar medidas para reduzir o excesso de conflitos, vemos com sã inveja a tramitação, no parlamento do Brasil, do Projeto de Lei nº 5.082, de 2009, elaborado pelo Ministério da Fazenda, relativo à Lei Geral de Transação Tributária e que trata, dentre outros, do regime geral, da conciliação judicial, da transação na recuperação tributária, da transação por adesão, ordenados em modo muito bem sistematizado.

O grande obstáculo encontrado por quem defende medidas para atenuar o conflito tributário como a transação, acordo, concordata, arbitragem, é a constante invocação do princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Este princípio, porém, foi perdendo sua força argumentativa para converter-se em um autêntico mito; em um conjunto de códigos comunicativos, como nos dizia Lévi-Strauss.

Em primeiro lugar, a indisponibilidade não é uma qualidade ontológica de um crédito. É uma qualidade atribuída pela lei, e que pela lei pode ser modulada. Um crédito não é indisponível como um homem é alto, baixo, gordo ou loiro. Um crédito é ou não é disponível em específicas circunstâncias determinadas pela lei. Portanto, não há nenhum mal em que a lei module a disponibilidade do crédito tributário.

Porém, o mais grave é que a maioria das medidas para atuar contra o conflito tributário nem sequer são normas. Quando se fala de indisponibilidade, podemos estar nos referindo a várias coisas diferentes; em nenhum de seus significados a indisponibilidade é vulnerada por medidas como as incluídas no projeto de Lei Geral de Transação Tributária brasileiro. Indisponibilidade, para os particulares, significa que o tributo não pode ser objeto de negociação contratual. E, para a administração, indisponibilidade significa que sua atuação está positivamente vinculada ao texto da lei. Há quem diga que a transação viola a legalidade porque supõe a livre disposição da Administração. Porém, nenhuma das medidas contra o conflito pode ser classificada como uma disponibilidade do tributo. O Projeto de Lei nº 5.082 não pretende, como não pretende nenhuma medida de extinção convencional de litígios, legitimar a renúncia aos créditos fiscais. Pensar que estamos ante um instituto destinado a que a Fazenda Pública possa deixar de perceber o pagamento dos tributos é ter uma visão bastante limitada. É como olhar para o dedo quando o sábio indica o céu.

Sejamos claros: em face ao conflito há que se estabelecer medidas de prevenção. Não há nada de ilegal no fato de a lei – e somente a lei – dispor que na hora de firmar o significado de um conceito jurídico indeterminado isto não ocorra unilateralmente, senão mediante acordo entre o fisco e o contribuinte; não seria isto melhor do que uma situação de monopólio da administração durante a aplicação de conceitos indeterminados, levando à certeza da reclamação do cidadão e a um conflito judicial? Também devem ser estabelecidas medidas que incentivem o fim pactuado do procedimento. O que há de ilegal em que a própria lei – e somente a lei – preveja a resolução pactuada de um procedimento de aplicação dos tributos ao invés de uma resolução unilateral que certamente acabará num conflito? Uma vez surgido o conflito, por que não admitir que a administração possa modificar ou revogar um ato pendente de resolução quando existir a certeza de que continuar o conflito seria inútil ou absurdo?

A isso soma-se o fato de que as decisões mediante conciliações, ao final dos procedimentos rigorosos, são plenamente legítimas, não substituem as do sistema judicial, mas, sim, as complementam, descongestionando os tribunais ordinários, sendo ainda uma forma aceitável de resolver controvérsias com custos reduzidos. E por que não se adotar uma transação ágil para conflitos de pequeno valor, ao invés de um complexo sistema de recursos administrativos?

A justiça do sistema tributário não depende apenas de leis que contemplem impostos que respeitem as exigências de capacidade econômica. Depende, ainda, de que a aplicação dos tributos seja justa e que a prestação jurisdicional seja ágil e imediata. A situação do conflito tributário em países como a Espanha exige soluções ativas, e não temerárias, e, ao mesmo tempo, eficazes e criativas. Por todos esses motivos, acredito, sinceramente, que o projeto brasileiro de Lei Geral de Transação é um avanço de grande valia e revela-se como modelo a ser seguido.


Fonte: Conselho Federal de Contabilidade